Conforme explica o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, o direito penal brasileiro apresenta nuances que, muitas vezes, desafiam a interpretação e aplicação das normas, principalmente quando se trata de ações envolvendo a violência doméstica. A Lei Maria da Penha estabelece regras claras para o tratamento dos crimes de lesão corporal no âmbito doméstico, mas, ao mesmo tempo, exige uma série de formalidades processuais para garantir que a vítima tenha voz ativa na continuidade da persecução penal.
Entenda mais sobre o assunto no caso abaixo:
A importância da audiência preliminar na Lei Maria da Penha
No caso em questão, a questão central estava na ausência da audiência preliminar prevista no artigo 16 da Lei Maria da Penha. O desembargador Alexandre Victor de Carvalho ressaltou que, para que a ação penal tivesse prosseguimento, era fundamental que a vítima ratificasse ou retificasse sua representação, antes mesmo do recebimento da denúncia. O artigo 16 da Lei 11.340/06 deixa claro que, nas ações penais públicas condicionadas à representação da vítima, a renúncia à representação só é válida se feita em audiência.

Essa exigência visa proteger a vítima, que pode se sentir pressionada ou constrangida a manter a acusação. Para o desembargador, a ausência dessa oportunidade para a vítima configurar a sua posição no processo resultou em nulidade, impactando diretamente a continuidade do julgamento. Assim, a decisão do desembargador revisor de anular o processo desde o recebimento da denúncia se tornou inevitável, uma vez que a falha processual prejudicou os direitos da ofendida.
A prescrição da pretensão punitiva
O outro ponto crucial da decisão foi a análise da prescrição da pretensão punitiva, ou seja, o prazo dentro do qual o Estado deve exercer o direito de punir. O desembargador Alexandre Victor de Carvalho argumentou que, com a nulidade do processo, o prazo para a prescrição do crime de lesão corporal leve, que inicialmente havia sido interrompido pela ação penal, voltou a correr. Nesse caso, o fato de o processo ter sido anulado resultou na extinção da punibilidade do réu.
O Código Penal Brasileiro estabelece que, para crimes punidos com pena inferior a um ano, a prescrição ocorre em dois anos, conforme o artigo 109, inciso VI, do Código Penal. No entanto, como o processo foi anulado e a prescrição retroativa foi configurada, a pretensão punitiva do Estado foi extinta. Isso significa que, mesmo que o réu fosse novamente processado, a pena não poderia ultrapassar a pena já estabelecida na sentença anterior, pois o prazo para a ação penal já havia sido ultrapassado.
A jurisprudência e a proteção dos direitos da vítima
A jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem reforçado a ideia de que a retratação da vítima, quando feita antes do recebimento da denúncia, é uma oportunidade legalmente garantida pela Lei Maria da Penha. O desembargador Alexandre Victor de Carvalho, ao seguir a linha de entendimento que preserva o protagonismo da vítima, reforçou a importância de que ela tenha a chance de manifestar-se de forma livre e sem pressões, principalmente em casos envolvendo violência doméstica.
Esse entendimento visa garantir que a vítima tenha controle sobre a continuidade da persecução penal, alinhando-se à finalidade da Lei Maria da Penha, que busca empoderar as mulheres em situações de violência doméstica. A decisão do desembargador, ao anular o processo e declarar a extinção da punibilidade pela prescrição, serviu como um exemplo de como o direito penal pode ser sensível às questões de gênero e aos direitos da mulher, respeitando a legislação e os direitos constitucionais da ofendida.
Em resumo, o julgamento realizado pelo desembargador Alexandre Victor de Carvalho destaca a importância da observância rigorosa das normas processuais. A anulação do processo e a consequente extinção da punibilidade pela prescrição refletem a seriedade com que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais trata as garantias da vítima. A decisão reforça o protagonismo da vítima no processo penal e assegura que, mesmo diante de erros processuais, a justiça seja feita conforme os princípios constitucionais.
Autor: Dmitry Mikhailov