Em Campo Grande, uma situação preocupante tem se tornado cada vez mais frequente: pacientes sendo orientados por médicos a recorrer à Justiça para conseguir atendimento pelo Sistema Único de Saúde. Esse fenômeno, antes visto como exceção, agora se aproxima da regra, refletindo uma crise estrutural no sistema público. As dificuldades para conseguir consultas, exames e internações são tantas que até profissionais da saúde veem na via judicial uma solução viável, ainda que emergencial, para garantir o direito à saúde.
A sobrecarga das unidades públicas, associada à falta de infraestrutura e de profissionais suficientes, tem transformado hospitais em locais de espera e angústia. Famílias inteiras aguardam por procedimentos que deveriam ser oferecidos com agilidade, mas que, devido à superlotação, são adiados por tempo indeterminado. Diante desse cenário, cresce o número de cidadãos que buscam apoio jurídico para terem acesso a tratamentos essenciais, muitas vezes com respaldo de laudos médicos que apontam urgência no atendimento.
O impacto disso é claro: segundo dados recentes, a judicialização da saúde aumentou 24% em Mato Grosso do Sul em um curto espaço de tempo. Campo Grande concentra grande parte dessas ações, onde pacientes, amparados por pareceres médicos, veem na Justiça o único caminho para não agravar ainda mais sua condição clínica. O aumento expressivo nos processos demonstra não apenas o colapso do sistema, mas também a crescente conscientização da população sobre seus direitos constitucionais.
Médicos que atuam na linha de frente relatam frustração por não conseguirem encaminhar pacientes de forma adequada dentro do próprio sistema. Muitos revelam que, após esgotarem todas as possibilidades administrativas, não veem outra alternativa a não ser sugerir aos pacientes que busquem auxílio jurídico. Essa conduta, ainda que desconfortável para os profissionais, tornou-se uma espécie de protocolo informal em muitos casos mais graves.
A complexidade da judicialização vai além das estatísticas. Envolve decisões urgentes, burocracia e um sistema judiciário que também enfrenta seus limites. Contudo, mesmo diante desses desafios, a via judicial tem se mostrado eficaz em garantir internações, cirurgias e acesso a medicamentos que, de outra forma, ficariam fora do alcance de quem depende exclusivamente do SUS. O problema é que esse modelo não pode ser tratado como solução definitiva, pois transfere para o Judiciário uma responsabilidade que deveria ser resolvida no campo da gestão pública.
É importante destacar que essa realidade afeta principalmente as camadas mais vulneráveis da população. Pessoas sem condições de pagar planos de saúde são as mais prejudicadas pela precariedade dos serviços públicos. A judicialização, apesar de ser um direito legítimo, também exige acesso a advogados, tempo e preparo emocional, o que nem sempre está disponível para todos. Assim, o que deveria ser um direito universal acaba dependendo do grau de informação e recursos de cada paciente.
Especialistas em saúde pública alertam que essa tendência, se mantida, pode agravar ainda mais a crise do SUS. O aumento de ações judiciais gera custos adicionais ao Estado, que precisa cumprir decisões em prazos curtos e muitas vezes sob risco de multa. Além disso, cria uma sensação de que só consegue tratamento quem aciona a Justiça, gerando desigualdade no acesso. A solução, portanto, passa por investimentos estruturais e uma gestão mais eficiente dos recursos disponíveis.
Em Campo Grande, a judicialização da saúde é um retrato nítido de um sistema à beira do colapso. Médicos, pacientes e instituições convivem diariamente com a tensão de um modelo que falha em sua função mais básica: garantir o acesso igualitário à saúde. Enquanto o poder público não enfrenta com seriedade as causas desse problema, o Judiciário segue atuando como último recurso de uma população cansada de esperar. A urgência por mudanças estruturais é evidente, e o direito à saúde não pode continuar dependendo de uma decisão judicial para ser respeitado.
Autor : Dmitry Mikhailov